20/10/2012

FEIRA PODRE ( Argentina parte final)

   Desmotivado pela decepção com a metodologia da faculdade a qual cursava , somado a problemas familiares e a inflação vigente no país, desisti de seguir com meus estudos na Argentina.   Buscava, então,  uma transferência para uma universidade brasileira, onde poderia ter aulas todos os dias e livrar-me da problemática revalidação do diploma. Com esta mentalidade me somei a outros 99% dos brasileiros que estudam medicina no pais vizinho e que buscam desesperadamente uma transferência para solo pátrio.

   Aproveitando o tempo livre que dispunha, afinal  eu tinha aula somente 2 vezes por semana, entrei em contato com aproximadamente 100 universidades brasileiras  de todos os estados do país, a fim de perguntar-lhes se aceitavam a transferência de um aluno oriundo da Argentina. Para minha surpresa e desespero , apenas 12 destas faculdades aceitavam tais condições. Inclusive , a secretária de uma das faculdades que eram contrárias ao ingressos de alunos transferidos do exterior  explicou-me,  dizendo : " antigamente costumávamos aceitar , mas a grade  curricular de vocês é muito problemática, e resolvemos não aceita-los de agora em diante". Restava-me, então,  buscar nas que me aceitariam  ,e  procurei saber como se dava o processo de admissão para alunos " estrangeiros"  . Em todas estas faculdades, o processo se dá por meio de um concurso de admissão, com edital publicado e regras claras. Estaria lindo, se não fosse no Brasil. Ao procurar informações em pessoas que já haviam conseguido a transferência ,  deparei-me com um dado curioso e revoltante, tais alunos haviam se transferido por duas formas : indicação política ou  por meio de suborno, a conhecida compra de vagas.
   O comércio de vagas em universidades brasileiras   faz-se de forma aberta em Buenos Aires. Onde estes traficantes de vagas encontrariam um mercado consumidor tão aquecido para seu " produto" ?
 A cidade portenha está abarrotada de brasileiros que fariam de tudo para estudar medicina, e já que não conseguiram tal logro pelo esforço próprio, estavam dispostos a pagar, com dinheiro ou  influência política, pela chance de estudar em seu país. A verdadeira prostituição da medicina.


   No afã de conseguir uma transferência para o Brasil, estava realmente desesperado, resolvi entrar em contato com uma assessora chamada M. (não revelo o nome para evitar problemas futuros), para ver se poderia ajudar-me com este problema. Meu primeiro contato foi com uma de suas funcionárias, que após haver-lhe explicado minha situação,  disse:

- Pablo, fique tranquilo, pois muitos estão em situação semelhante à sua, e  pretendemos ajudar a todos.

Tais palavras foram, momentaneamente, de um alento enorme para minhas pretensões,  pois neste momento me encontrava , como diz o dito popular: " num mato sem cachorro". A atendente me pediu para retornar o contato duas semanas após este primeiro atendimento. Na segunda vez que falei com a funcionária da assessoria, as boas-novas me deixaram ainda mais animado.  Ela  me dissera  que meu nome já figurava no grupo de alunos que iriam  transferir-se para o Brasil com a ajuda da empresa na qual trabalhava,  mas que dentro de uma semana eu teria uma reunião com Dona M, a fim de esclarecer os detalhes. Em meio a estas explicações , fui alertado de que todo esse trabalho teria um custo, ao meu ver, e até então,  nada mais justo.

   No dia e hora marcados, fui ao encontro de M. , com a expectativa de um vestibulando que vai saber o resultado da prova. Ao chegar ao seu escritório , fui recebido por uma de suas funcionárias , que me mandou aguardar enquanto sua chefe falava ao telefone com um brasileiro, mais um que não havia passado no vestibular e queria fugir para o país vizinho.  Finalmente fui chamado por M. , que me perguntou  de uma forma ,um tanto quanto, irônica:

- O que houve, Pablo? Quer voltar?? É.... Tá todo mundo voltando.

E antes que eu pudesse falar dos fatos que  haviam me levado a tal decisão, fui interrompido com um discurso sincero desta senhora:

- Não vou enrolar você! O negócio aqui é venda de vagas.

Estas palavras foram como um tiro no meu peito , mas confesso que por haver buscado informações em pessoas que haviam se transferido , e visto que todas o haviam conseguido por meios ilícitos , não foi nenhuma surpresa. Mas ,  perguntei-lhe:

- E a transferência?

M., sorrindo , respondeu-me:

-Transferência é quase impossível. A não ser que você tenha um conhecimento forte no Brasil, você o tem??

Sem ter o que responder , fiquei calado. E ela após abrir a gaveta de sua mesa e sacar uma lista de duas páginas ,  falou:

- Aqui tenho a lista de faculdades que você poderá ingressar, é só escolher e pagar.

Ao ler tal lista contei aproximadamente 30 faculdades privadas de vários lugares do Brasil, havia uma tabela com o nome das instituições de ensino , quantidade de vagas disponíveis para compra, localização e o preço  cobrado. Os valores variavam de R$ 30000,00 a R$ 60000,00, algumas necessitavam a presença do candidato no dia do exame de ingresso, outras , nem isso. Escolhi uma faculdade do meu estado, e lhe interroguei a respeito da confiabilidade do processo, M. me explicou, dizendo:

-  É 100% garantido, inclusive, você só paga depois que fizer a matricula. 

Insisti em saber como funcionava o " esquema", e ela me disse:

- Pode ficar tranquilo , pois todos ganham: eu, a faculdade e um intermediário , por isso é tão garantido. Tanto que  tenho muita gente que já está estudando em varias destas universidades. 



 Impactado com a situação,  despedi-me  de M. e fiquei de dar-lhe uma resposta nas próximas 24 horas.
Ao chegar em casa e  dormir durante 1 hora- estava emocionalmente muito abalado- pensei e tomei uma decisão, a de abandonar tudo.
    Desde este momento, comecei a perceber que o sonho de estudar medicina  havia me levado a colocar minha honra sob prova, e eu confesso que quase vacilei. Nos dias subsequentes a este episódio ,  caí em depressão , mas tinha a certeza que não iria  corromper-me  a troco de nada. Posso estudar qualquer outra profissão, desde que seja de forma digna e honesta. Ao contar  da minha decisão  a outros brasileiros que estavam estudando em Buenos Aires , fui repreendido, e sempre me alertavam pelos benefícios financeiros que a medicina poderia me trazer  em comparação a qualquer outra profissão. Com isto , reafirmo que a esmagadora maioria dos que deixam o Brasil rumo aos países vizinhos em busca de um diploma de médico não o fazem por vocação ,e sim por ambição. Deixei a Argentina e a vontade de ser médico,  permitindo-me  descobrir dentro de mim  novos dons e a alegria de poder caminhar com a cabeça erguida no meu pais , sem ser um fugitivo, um exilado, sentimento que nenhum valor pode comprar.







15/10/2012

MEUS HEROIS ( Exército parte I)

   Como todo  jovem brasileiro ao completar 18 anos de idade, estava obrigado a  apresentar-me às forças armadas do meu país. Por outro lado, diferente da maioria   , ao chegar a maioridade já estava matriculado em um curso superior, o que não me isentava da obrigatoriedade vigente no "democrático" Brasil. Porém, este fato me dava uma opção de escolha , a de ingressar no exército brasileiro em uma escola de oficiais  temporários, o CPOR ( centro de preparação de oficiais da reserva). Dita escola foi pensada para dar àqueles que têm um nível cultural  superior ( leia-se ,os que estão matriculados em uma universidade)  aos demais  e se veem obrigados a servir pelo menos um ano de suas vidas à Força terrestre brasileira.
   Ao ingressar no CPOR , pensava em encontrar jovens com um nível intelectual alto, com estudantes de diversas carreiras das mais distintas áreas da ciência, de acordo com o histórico de alunos da instituição.  Bem , na verdade encontrei tais pessoas, mas na esmagadora maioria eram alunos que apenas haviam se matriculado em qualquer faculdade com o intuito de ingressar no centro, e assim gerar uma situação que lhes proporcionasse financiar seus estudos, ou seja, uma instituição que foi criada para não interferir nos estudos universitários de seus alunos, havia se transformado em uma oportunidade de emprego para os que desejavam ser universitários.

   Ao egressar do CPOR , é  concebida  ao jovem a graduação de aspirante a oficial,   titulo almejado por muitos ,sobretudo pelo soldo que lhes é conferido ,  que  nos dias atuais  chega as cifras de R$ 4323,00 , aproximadamente. Para um menino de 20 anos ganhar tão pomposo  salário , ter um porte de arma e uma identidade militar ; era como vestir-lhe uma capa do Superman, e é exatamente como muitos se sentem                         .  Obviamente a concorrência para o ingresso no centro de preparação era absurda, 200 vagas eram disponibilizadas e milhares de pessoas se candidatavam. Os métodos usados para a seleção incluíam : testes de habilidades intelectuais , provas físicas , além de um exame psicológico e médico. Mas, sim, existia em muitos casos o " Q.I ( quem os  indica)". Já no primeiro dia como aluno da instituição , encontrei companheiros obesos que não podiam ,sequer , correr por 300 metros, e então me perguntava, " como tais pessoas ingressaram se , teoricamente, teriam que correr 3000 metros em um tempo mínimo de 15 minutos? " . Nem o melhor fisiologista do mundo explica, mas o " Q.I" sim.



   Ao me formar aspirante a oficial no CPOR , no final do ano de 2003, fui encaminhado a uma unidade militar, para minha sorte a melhor  do exército. O 1º Batalhão de Policia do Exército, Batalhão Marechal Zenóbio da Costa, o  Berço da Polícia do Exército no Brasil, como dizia um antigo comandante, foi por 6 anos minha casa , literalmente. Neste local ,conheci a outra parcela ,  permito-me dizer os outros 99% dos jovens, que haviam se alistado assim como eu , mas por um  caminho bem diferente, à Força terrestre. Estes jovens eram geralmente oriundos dos bairros mais pobres da cidade, com renda familiar per capita muito baixa, nada comparado aos alunos da  escola de oficiais. A maioria não havia terminado o segundo grau ,e tempos depois ,com o convívio na caserna , constatei que quase todos tinham muita dificuldade com a escrita e interpretação de textos simples. Porém,  igual aos meus companheiros  de CPOR,  haviam ingressado  no exército,porque viram ali uma oportunidade de trabalho, ainda que o soldo pago para um soldado recruta (recém incorporado)  seja muito menor que o de um oficial, cerca de R$ 492,00, que somado ao "golpe" no auxilio-transporte, pode chegar a R$ 700,00.
   Estes soldados eram submetidos a uma rotina de trabalho , ao meu ver, desumana. Cumpriam seu expediente no quartel de segunda a sexta-feira ,e  concorriam a uma escala de serviço de 24 horas de trabalho com 24 horas de "descanso "( as aspas são pelo fato de que, nessa rotina, o militar era escalado para missões de policiamento , guardas diversas etc).  Somado a isso , as péssimas condições de habitação. Certa vez, um dos soldados da minha companhia foi roído por uma ratazana enquanto dormia.
 Sem falar na má qualidade da alimentação, futuramente escreverei uma postagem sobre este tema , pois fui durante 2 anos o oficial  responsável por administrar a cozinha do batalhão, tentarei explicar o fato das refeições no exército serem , salvo raras exceções,  de baixa qualidade.
   Com uma rotina  massacrante , aliado às péssimas condições de trabalho , esses guerreiros não tinham o direito de falhar. Fiscalizados assiduamente pelos oficiais , a qualquer erro mínimo, como um simples atraso ou uma pequena queixa, os recrutas eram punido com todo o rigor do regulamento militar, que muitas vezes os levavam ao cárcere por alguns dias. Em relação aos oficias, estes raramente eram punidos,  era-lhes permitido falhar à vontade, e quanto mais alto o posto ocupado, mais imunes ao regulamento se tornavam. Tenho um exemplo de um capitão, oficial de alta patente dentro de uma unidade militar como o 1º BPE, que chegava visivelmente embriagado ao quartel , e como se isso não bastasse , por uma vez urinou no pátio central da unidade. O que aconteceu com o tal militar?? Nada, ele era oficial.




    Nos meus últimos meses de serviço militar, após 6 anos e meio de dedicação à Força, recebi a função de capitão e tive a honra de  comandar uma  das companhias do 1º BPE . Mais experiente , aproveitei esta oportunidade para conversar e conhecer melhor  meus soldados ,e saber o porquê de submeter-se à tão estressante rotina . Houve um caso, que em particular me causou muita indignação. Um dos soldados da minha companhia, que havia prestado bons serviços ao Exército por 6 anos,   insistia em faltar ao expediente   e chegar atrasado;  chamei-o para uma conversa , e constatei que o militar havia se envolvido com o crack. Levei o problema ao meu comandante ,e lhe expliquei que o militar precisava de ajuda naquele momento, mas a resposta que obtive não foi surpresa para mim ,nem para o soldado: " primeiro o prendemos e depois o expulsamos". Juro que tentei argumentar, mas recebi outra resposta dura: " este não é um problema do exército, meu tenente". Então me coloquei no lugar do soldado e pensei , "se este ser humano que havia dedicado quase 7 anos da sua vida, de forma integral,  foi tratado desta forma, por que também não o poderiam fazer comigo?" Ah sim, eu era oficial...
 O tal soldado foi levado à prisão, mas com muita intercessão da minha parte pude salvá-lo da expulsão, às vésperas do fim de sua carreira militar.
    Para minha surpresa e alegria, percebi que havia trabalhado por todos esses anos , não com pessoas comuns  , mas com verdadeiros guerreiros, muitos dos quais sustentavam famílias inteiras com um soldo de R$ 700,00, que passavam a semana no quartel, mesmo nos horários de folga, afim de economizar seu  auxilio- transporte ,que não nutriam sonhos ambiciosos e que venciam uma guerra , fora e dentro do quartel, a cada dia. Desde este momento, tenho a certeza que não necessitamos de superman , posto que temos homens muito mais fortes e imbatíveis, nossos soldados, meus heróis!!!

11/10/2012

O SONHO QUE VIROU PESADELO (Argentina parte IV)

   Enfim cheguei à tão sonhada faculdade, passado o CBC (curso de ingresso), pude finalmente dar continuidade ao sonho de estudar medicina. A Faculdade de medicina da  UBA (Universidade de Buenos Aires) ,vista por fora, é imponente . Por muitas vezes, ao passar em frente ao seu  edifício  principal, pensava na grande façanha que havia feito ao ingressar naquela instituição. Porém, como aluno conheci a universidade por dentro , suas salas , professores e metodologias. E deste ponto de vista , não me pareceu linda.

   A metodologia da faculdade de medicina de Buenos Aires é a de aprender sem aulas. Sem aulas?! Sim. Enquanto  os alunos de medicina de qualquer faculdade no Brasil são conhecidos por ficarem por todo o dia enfurnados dentro das salas de aula, na Argentina  é raríssimo encontrá-los na faculdade. No meu caso, ao inscrever-me , fui contemplado com 3 matérias : anatomia, histologia\embriologia\biologia\genética ( todas formam uma única disciplina) e saúde mental.
   Em anatomia tinha 1 aula por semana, durante 4 horas. Para que se tenha uma ideia , quando estudei enfermagem no Brasil , tive o dobro da carga horária da faculdade portenha. Incrível, não? As outras disciplinas seguiam o mesmo modelo, ou seja , ia à faculdade 2 vezes por semana. Óbvio que com estas poucas horas, seria impossível aprender algo. Mas a infelicidade  não se   detém  apenas na questão das pouquíssimas horas\aula, o pior  é que estas eram de baixa qualidade. Voltando com o exemplo de anatomia, a turma de alunos era dividida em mesas , em cada uma das quais havia cerca de 15 pessoas mais um ajudante. Este era um aluno de ano mais avançado da carreira, e que estava incumbido de lecionar. Isso mesmo, quem ditavam as classes não eram professores ,e sim alunos, na maioria das vezes ,despreparados.


   O sistema de avaliação é o mais injusto possível , exigem muito sem  dar a preparação mínima . Uma forma de eliminar a maior quantidade possível de alunos. Cada exame é visto como uma prova de vida ou morte, afinal ,vale 1 ano da sua vida. Se algum aluno reprova um exame ,  dão-lhe a oportunidade única de fazer outro, se falha outra vez, automaticamente tem 1 ano a mais de faculdade a cursar. É muito normal encontrar pessoas que estejam nos últimos anos da carreira , e que totalizam entre 10 e 13 anos de faculdade. Não ,caro leitor, não me enganei. 10 e 13 anos de faculdade!! Eu mesmo conheci um único brasileiro que estava  formando-se, tardou 11 anos, e ainda teria que passar por todo difícil processo de revalidação de seu diploma no Brasil; ou seja , de repente,  para as olimpíadas no Rio de Janeiro teremos um novo médico, ou não.

   Com a falta de aulas, a opção que muitos encontraram foi a mesma do ano anterior, buscar um curso de apoio  que lhes dessem o aporte que não encontravam na faculdade. Como queria aprovar as matérias  , fui visitar  alguns institutos a fim de   preparar-me para os exames. Para minha surpresa, a cena que encontrei nestes lugares era digna do filme "Jogos Mortais". Os cursos em sua maioria funcionam em apartamentos , e têm  cadáveres , ou melhor, partes destes que são manipulados sem nenhuma preocupação com a segurança . Logo fui buscar na lei Argentina,  se isso era de fato permitido. Lógico que não! Estes institutos de apoio estão lotados de brasileiros, e foi justamente uma irmã de pátria que mais me chamou  a atenção . Ao ir a uma aula de anatomia , presenciei um fato marcante , havia uma brasileira que vestia um jaleco branco com o símbolo da faculdade, costume totalmente anormal entre os argentinos. Ela contava que o havia posto, porque no Brasil todos os  estudantes de medicina usam os de suas respectivas faculdades. É a tentativa de apagar uma frustração, a de não ter conseguido estudar medicina no seu país, e que infelizmente não pode ser apagada desta maneira .
   

   No meu segundo ano em Buenos Aires, tive que sair da residência onde havia estado no ano anterior. Neste momento , como se não bastasse , surgiu mais um problema, o alto custo de vida na capital portenha. A Argentina sofre hoje com índices de inflação perto dos 25% anuais, o que para nós brasileiros é  algo surreal; somado a isto, há o fato  da economia estar "dolarizada". Isto significa que tudo que se faz em Buenos Aires envolvendo dinheiro é feito em dólar. Como deixei a residência, tive que alugar um apartamento. Um monoambiente hoje nos bairros portenhos saí por, no minimo, US$ 600,00 (R$ 1200,00). Outra aflição para os estrangeiros que vivem na capital argentina é conseguir comprar os dólares.  Meses  atrás, a presidenta baixara um decreto restringindo a compra da moeda americana  no pais. Resultado, o dólar tinha uma cotação real muito superior à oficial, o conhecido "câmbio negro". O resumo de todos estes problemas foi que meus gastos mensais passaram de R$ 1300,00 para R$ 1700,00, isso porque não pagava a faculdade. No caso dos estudantes brasileiros , o problema da  instabilidade total no país vizinho é  que com taxas inflacionárias galopantes, o governo local toma medidas para que o salário do trabalhador não fique defasado ,como o aumento do salário mínimo, por exemplo, não perdendo assim o seu poder de compra. Por outro lado, como o Brasil não possui taxas exorbitantes de inflação , o salário das pessoas que financiam os brasileiros não acompanha a realidade argentina , e ,estes sim, perdem a cada mês seu poder de compra. É normal encontrar estudantes que em 2009  haviam vivido de forma abastada , mas no ano de 2012 viviam com muito aperto. Para os brasileiros, definitivamente,  não adianta sair pelas ruas batendo panela.

   O formato encontrado pelo governo argentino para que se tenha no país uma universidade aberta esbarra no mesmo problema do Brasil, a falta de investimento. No nosso país, o modelo adotado é excludente, ou seja, universidades de alto nível com pouquíssimas vagas . Já no vizinho, existem vagas para todos, mas como pagar professores para tantos? Como oferecer-lhes estrutura adequada? Impossível. A forma encontrada foi  oferecer uma universidade onde o aluno é autodidata, não necessitando ter um vínculo com a instituição. Se os médicos formados na UBA são competentes, não cabe a mim julgar, mas com certeza o Brasil não necessita de médicos formados no exterior, basta ter boa vontade e investir mais na educação para que mais médicos se formem do nosso jeito, tendo aula todos os dias .

Na próxima postagem, conto sobre minha tentativa de transferência e minha volta para o Brasil.....

09/10/2012

DEUS X DEUS

   Nesta postagem faço uma pausa na minha saga por Buenos Aires para contar um pouco sobre religião....



    Durante o período de campanha eleitoral, li diversas reportagens sobre os candidatos e a verdadeira salada mista de partidos políticos  que existe hoje no Brasil . Aliais ,campanha eleitoral  tem tudo a ver com o espírito natalino nas festas de fim de ano, onde  inimigos mortais no passado aparecem abraçados e apoiando um ao outro. Todas as magoas caem num mar de esquecimento.Vale tudo pelo poder.
    Mas sem duvida, o que mais  me chama atenção  é quando a igreja resolve entrar nesse jogo de poder. Quando digo igreja , quero dizer a  cristã, seja católica ou evangélica, sobretudo a segunda , que é a mais "fervorosa" quando o assunto é política e poder. Tudo bem que os pastores tenham predileção por um candidato , afinal os lideres evangélicos também são cidadãos , e pela nossa democracia, têm direito ao voto e a expressar livremente suas opiniões. Um dos  problemas está quando tentam  justificar suas escolhas, isso porque as fazem baseando-se  nas suas fés. Muitos dizem,  " não votarei no candidato X, porque ele é a favor do aborto" ou " votarei no candidato Y, porque ele é contra o casamento dos homossexuais" . Como se um candidato a um cargo como a presidência da república pudesse resumir-se a estar a favor do aborto ou não, estar a favor do casamento gay ou não. E a economia da nação? E a saúde? Educação? Bem... São temas secundários. Se estes religiosos expressassem suas " brilhantes" opiniões nas suas casas , ou até mesmo nos seus círculos de amigos , seria perfeitamente aceitável,   mas não, eles usam os púlpitos das igrejas. 
    Para um evangélico , na maioria dos casos, quando um líder religioso sobe ao púlpito, ele deixa de ser uma pessoa comum e passa a ser um mensageiro de Deus. E , se o pastor está mandando você votar no candidato X , é porque este político é o melhor ,segundo o  Todo Poderoso.  Isso quando o próprio pastor ou bispo não se candidata ao cargo, o que é muito comum na política brasileira. De volta as reportagens do período pré-eleitoral , percebi que havia dois candidatos em uma certa cidade concorrendo ao mesmo cargo, nada anormal dentro de uma democracia. O estranho é que cada um destes candidatos recebiam apoio de pastores de diferentes denominações evangélicas. Então a gente se pergunta , estará o Criador indeciso? Ou em uma igreja,  Ele fala uma coisa ,e em uma outra, já tem opinião diferente? O mais provável é que o Santíssimo não tenha nada a ver com isso e,  que na busca pelo poder, é cada um pelo seu e Deus por todos, ou por nenhum.


    A Sede pelo poder nas igrejas evangélicas não se limita apenas as eleições ,  existe uma disputa dentro das próprias igrejas. Todos querem ser pastor, é uma meta a ser alcançada . Frequentei por muito tempo uma igreja evangélica no bairro do engenho novo, na cidade do Rio de Janeiro, e neste lugar presenciei um episódio no mínimo curioso. Após ouvir diversos sermões aos domingos pela manhã , aprendi que antes de uma decisão teríamos que escutar a voz de Deus. Na própria bíblia, há diversos casos de homens que foram felizes em suas escolhas por haverem escutado a Jeová . Pouco tempo antes de deixar de frequentar esta igreja, houve uma mudança radical conduzida pelo bispo local. Até este momento, a igreja fazia parte de uma espécie de denominação, na qual a matriz dava as diretrizes para as afiliadas. Um domingo  pela manhã , o bispo subiu ao púlpito como de costume para falar ao povo   ,e  comunicou às suas  " ovelhas" (assim são chamados os fiéis das igrejas evangélicas ),   que  havia se desligado da matriz e que iria fundar uma nova denominação. Por mais que os fiéis sejam submissos a seu líder, alguns completamente cegos em obediência,  sempre pode haver  uns "rebeldes" que viriam a perguntar, o porquê de tal decisão. O bispo se justificou dizendo, " ter escutado  a voz de Deus". Porém  o líder religioso  foi democrático, e deixou em aberto a opção de que, se alguém não concordasse, poderia escolher a outra igreja. A maioria dos fiéis seguiu o bispo. Mas , e os pastores?  Aqui começa o problema. Os pastores também seguiram o bispo e usaram a mesma justificativa de seu líder,  " tinham ouvido a voz do Todo Poderoso" . O bispo então se foi a uma outra sede, deixando esta igreja sob responsabilidade de seus pastores-discípulos. Até este ponto, nada de mau. Parei de frequentar a tal igreja , resolvi não seguir religião nenhuma, para mim, todos haviam caído em descrédito total, tal qual  os pastores-políticos nas vésperas das eleições .  Permito-me abrir um parênteses, e dizer que Deus nada tem a ver com homens e instituições, está muito acima disso tudo.
    Tempos depois ,encontrei um amigo que seguia frequentando a igreja no engenho novo , e lhe perguntei como andavam e , para meu espanto total ,  disse-me:

- O pastor falou com Deus e resolveu filiar a igreja novamente a matriz original.  

 Como assim?? E o bispo??   Mas este pastor já não tinha perguntado a Deus antes??
Difícil explicar, alias explicações que eles devem ao Altíssimo. O pior é que ao desfiliar-se da matriz , a igreja ganhou um novo nome na sua fachada, e ao refiliar-se voltou com o nome original. Imagina o que não passou pela cabeça dos que estavam acostumados a passar todos os dias  pela entrada do templo. Em tempos de capitalismo selvagem , não é privilegio  dos bancos mudarem de nome da noite para o dia .  Tudo isso me fez lembrar dos sermões que havia escutado destes próprios pastores por anos da minha vida aos domingos pela manhã,  nos quais,   sempre diziam, " antes de qualquer decisão, escute a voz de Deus".
   Já o bispo ficou sem a igreja do engenho novo,   refugiando-se em outra sede com um dos pastores que o haviam seguido, mas  pouco tempo depois, acabaram  desentendendo-se.
O pastor então  pediu sua demissão , "ouviu a voz de Deus " e fundou sua própria denominação em outro lado. 
Mais óbvio de que a  Deus não se engana, só o fato de que com Ele não se brinca.

Nas próximas postagens, continuarei com minha saga na Argentina....


08/10/2012

OS BRAZUCAS EM BUENOS AIRES (Argentina parte III)

    Neste momento , após 6 mês  vivendo na residência universitária e estar cursando o CBC (o curso de ingresso da faculdade)   , pude traçar um perfil inicial dos brasileiros que estavam em Buenos Aires a fim de  estudar medicina . Uma característica que sempre percebi nestes brasileiros é que têm um histórico de frustração muito visível , e a medida em que os conheço, se torna mais nítido e triste. A grande frustração é a da derrota no vestibular das faculdades brasileiras. Invariavelmente ,o motivo que leva  todos a estudar na Argentina é o fato de terem sido derrotados pelo vestibular. Nenhum brasileiro sai do seu país rumo ao  vizinho em busca de um melhor nível de educação. São todos fugitivos do vestibular.
    Como já  contara anteriormente, meu primeiro contato com brasileiros foi na residência onde vivi. Eram pessoas de todas as partes do país: norte, sul, sudeste, nordeste; gente com culturas muito diferentes, mas com o mesmo objetivo, o de se formar médico. Ao conversar com estas pessoas, sempre lhes perguntava sobre a preocupação do retorno à terra natal, pois o diploma argentino não é aceito no Brasil. Neste caso, havia dos tipos de respostas, uns estavam ali para fazer uma ponte , ou seja, estudar algum tempo nas faculdades estrangeiras e depois se transferirem ao nosso país.  Por outro lado,  há os sonhadores , estes são uma minoria que querem se formar nas faculdades argentinas e depois tentar a revalidação do diploma .  Em relação à revalidação,  tenho que fazer uma rápida explanação sobre o assunto.   Hoje em dia, qualquer pessoa que se forma em medicina fora do Brasil e quer trabalhar no país tem que passar por um exame muito difícil.  Para se ter uma ideia , numa prova feita em 2011, de 677  inscritos somente 65 aprovaram , os outros 612 não têm condições de exercer a profissão no Brasil. A maioria dos médicos que se formam em terras estrangeiras tentam  a opção de trabalhar no país onde se formaram  , ou tentam  esta difícil revalidação no Brasil. Há uma outra opção pouco aconselhável , mas que muitos a escolhem , que é a de trabalhar clandestinamente em alguma cidade do interior do país.

MATÉRIA DA REVISTA VEJA SOBRE O ASSUNTO

    Conversando com os brasileiros , a maioria oriundos do interior do país , tive uma nítida impressão de que buscavam na medicina um meio de ascensão social, pois  um médico no interior do  Brasil ganha muito bem, não importa a competência que este profissional venha apresentar. Conheci uma menina de uma cidade do interior do Paraná , que me contava que de seus colegas dos tempos de colégio , uns 60% escolheram fazer medicina , e nesta busca desesperada,  alguns tiveram que ir a terras argentinas ou bolivianas.Vocação?? Tenho minhas dúvidas.
    Voltando à faculdade, em geral os brasileiros encontram muita dificuldade já no inicio da carreira, e o idioma é  um dos principais obstáculos.  As assessorias, em geral, vendem no "pacote" um cursinho de espanhol de 3 semanas. 3 semanas?! Isso mesmo, aprenda espanhol em 3 semanas!! Não é de se estranhar que o nível do espanhol de quase todos os brasileiros que encontrei por Buenos Aires seja tão baixo, praticamente falam português com um sotaque espanhol, é algo medonho. Então você se pergunta, e como os argentinos lhes entendem? Bem, os argentinos são um povo maravilhoso  e muito paciente , sobretudo quando se trata de brasileiras.

     As garotas, como os argentinos gostam de se referir às  brasileiras , são muito bem tratadas em Buenos Aires. Existe algo impressionante que constatei , todas as brasileiras que conheci em terras portenhas , e não foram poucas, estiveram com no mínimo (as mais virgens) 3 argentinos e,  quando lhes perguntava o porquê de tanta atração pelos hermanos ,  diziam- me  que " eles são os mais lindos" . Não foram  raras as vezes em que conheci brasileiras, entre 18 e 20 anos  ,  que haviam perdido a virgindade com argentinos. O pior é que muitas dessas começavam com um , passavam a outro e não paravam mais. Ao falar com uma argentina sobre uma brasileira, é normal que te digam: " são todas putas". Juro que tentava defender minha patrícias, mas contras os fatos , como argumentar?   E se o leitor quer mandar sua filha para estudar na Argentina, saiba de antemão que seu bebê vai virar " comidinha de argentino".
    Era a primeira  experiência de viver sozinha de muitas destas meninas que se viam perdidas com tanta liberdade. O fato de poderem  sair todos os dias , transar sem compromisso e  usar drogas ( o uso da marijuana é muito comum nas casas e festas de estudantes em Buenos Aires)  é algo novo e que leva estas jovens para um caminho de perdição.  Nunca em minha vida tinha visto tanta gente ser enganada, como foram  os pais destas meninas. Muitas mentiam descaradamente. Tenho o  exemplo de uma que conheci e que dizia para seus pais que estava  vivendo em um apartamento com amigas, quando na verdade, vivia com seu namorado ,o qual acabara de conhecer em uma boate portenha. Quais destas garotas teriam a liberdade de dormir com o namorado ou viver com este estando na casa de seus pais? Nenhuma!
    Em relação ao CBC , nos primeiros 6 meses cerca de 90% dos brasileiros desistem e voltam à terra natal. Existem muitos motivos que os fazem voltar, entre estes o principal é o banzo ( sentimento dos negros africanos chegados ao Brasil ) . Por outro lado, o CBC não é fácil  . Ter de estudar em outro idioma e não poder reprovar nenhuma matéria  é algo muito pesado. O ciclo básico funciona da seguinte forma; está dividido em dois quadrimestres  com 3 matérias cada um : sociedade argentina, matemática e química no primeiro ; e biofísica, biologia e filosofia no segundo.  Nessas matérias tive duas provas , não podia tirar menos que 4 , sob a pena de ser reprovado diretamente, e ser reprovado  significa perder 1 ano ( para passar ao segundo ano tem que aprovar todas as matérias do primeiro). Um problema é que o 4 argentino equivale a 60% de acertos em uma prova . Que louco ,não?  O sistema de avaliação argentino é muito diferente do nosso , ter um 4 na Argentina é o mesmo que ter um 6 no Brasil , e  as assessorias insistem em dizer, nas suas explicações para vender seus "pacotes" , que para aprovar um parcial ( é como os argentinos chamam seus exames), basta tirar um 4 . É uma grande mentira disfarçada.
     Apesar da UBA ser uma faculdade pública e grátis , é muito difícil que um brasileiro consiga aprovar em todas as matérias sem contar com um cursinho de apoio onde o aluno recebem um reforço das aulas que supostamente tivera na faculdade. A mensalidade de um bom curso de apoio sai por $ 600,00 ( R$ 300,00) , e nesses cursos, o aluno tem aula com os professores da própria faculdade, muitos dos quais não recebem salário na instituição de ensino ,e veem ,nestes cursos, a oportunidade de ter alguma receita . Muitos alunos sequer vão à faculdade , pois as aulas do CBC, na maioria das vezes, não são de boa qualidade , e as salas estão sempre lotadas.
    Existem inúmeras faculdades privadas na Argentina, que por sinal são as que mais atraem os brasileiros. Primeiramente por que estas faculdades não exigem nenhum curso ou exame de ingresso que se compare ao vestibular , e somado a isso ,o fato dos preços serem muito menores comparados aos das faculdades brasileiras . A mensalidade de uma faculdade muito procurada por brasileiros em Buenos Aires custa cerca de $1600,00 (R$ 800,00) , nada que se compare aos R$ 5000,00 pedidos no Brasil. E o melhor desta história é que, nesta faculdade, o primeiro ano ou curso de ingresso pode ser feito em 3 meses, sem concorrência. Imagina estudar medicina sem vestibular e a preço de banana. Bem , já ouviram falar num metal chamado pirita? Não?! A pirita é um metal brilhante de cor amarelo-dourado sem nenhum valor comercial , mas muito parecido ao ouro. Por isso o ditado :  nem tudo que reluz é ouro.

Na próxima postagem, falarei sobre o altíssimo custo de vida em Buenos Aires e  algumas verdades a respeito da  Universidade de Buenos Aires...